Colunas Krônicas

Márcia de Osasco

14/06/1996

Uma mulher, analista de sistemas, 32 anos. Uma filha, Alícia, 3 anos. O marido, Sérgio, dekassegui no Japão.
Nada de especial nessa família, que com certeza tinha tudo para continuar no anonimato fazendo parte do grosso da sociedade nikkei.
Mais uma família que, vivendo num país de constantes crises econômicas, sacrifica-se com unhas e dentes, em busca de uma vida mais digna e justa, que por falta do reconhecimento profissional através de salários condizentes, é obrigada também a buscar caminhos alheios à própria vontade.
E Sérgio escolheu ser dekassegui – operário braçal lá no Japão – que também não é indigno, porém não era sua profissão e nem precisaria separar-se de família.
Este seria apenas o retrato de mais uma família como tantas se não fosse por outra manifestação nefasta que já está se tornando natural e presente em nosso dia-a-dia.
Mesmo a exemplar mobilização e o espírito de solidariedade, demonstrados pelo povo de Osasco e vizinhanças, não conseguem encobrir o descaso e a impunidade vigentes no país em todos os níveis e setores, e que acabam resultando mesmo nesse tipo de tragédia.
Não se trata de discutir o tipo de gás que originou a explosão ou de quem seria a culpa… depois do ato consumado. É preciso criar uma consciência espontânea de responsabilidade em qualquer de nossos atos. É preciso pararmos de fazer as coisas “nas coxas” ou “gambearras” baseadas na maldita “Lei de Gérson”, cinte de que mais adiante, sempre, “dá-se um jeito”.
Não vamos esconder o sol com a peneira!
Mostrar planta aprovada em Órgãos Competentes sabemos perfeitamente que, “aqui”, muitas vezes não traduz que todas as exigências foram cumpridas.
As recentes notícias de que a Administração do Shopping já tinha conhecimento de longa data do vazamento do gás, só vem a confirmar o escopo desta “Nipônica”.
Precisamos mudar nossa mentalidade mesmo nos pequenos atos.
Até para que não mais tenhamos de dar destaque… a quem não quer!!

(Essa explosão no Osasco Plaza Shopping, ocorreu no dia 11 de maio de 1996, que matou 42 pessoas e mais de 400 feridos. Dentre as vítimas fatais estava Márcia que, por acaso, era filha de minha prima, por isso foi minha primeira Nipônica desviando um pouco do escopo da mesma. Mas com certeza, a que deu aquele empurrãozinho inicial para meu estilo crítico atual)

Silvio Sano

- ARQUITETO, pela Univ. Mackenzie (1974), tendo como auge o projeto executivo da arquibancada superior do Estádio Santa Cruz (Recife), em 1981/82; ESCRITOR (sete livros, um dos quais: Corinthians, 100 Anos - Gols Ilustrados); COLUNISTA e CHARGISTA, desde 1996; JORNALISTA, com MTb desde 2012; e, COMPOSITOR (haicais e versões em português de músicas estrangeiras);
- conhece o Japão por quatro óticas diferentes (bolsista, 1975; lua-de-mel, 1980; Univ. Nagoya, 1985/87; e. decasségui, 1989/92);
- um dos administradores dos sites Nikkeyweb e Portal Oriente-se.
- Palestrante (tema atual: Konflitos Nikkeis, mesmo após mais de um século);
- tem páginas no Facebook, Twitter, Instagram e canal no Youtube
- email: silvio.sano@yahoo.com

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